PARAR É MORRER! Diz Dona Albertina de 99 anos, diretora do jornal de Alte
Quando li a notícia sobre a Dona Albertina Madeira, de 99 anos, que dirige o Jornal Ecos da Serra e ainda faz iguarias da culinária portuguesa, de imediato quis conhecê-la pessoalmente para saber de seus conselhos e de sua receita para uma vida longeva e ativa.
Dirigi-me, então, à Freguesia de Alte, no concelho de Loulé, no Algarve, aquela região portuguesa famosa por suas praias maravilhosas, seu clima e agora também pela grande personalidade local: a Dona Albertina Madeira, minha colega da área do jornalismo. Acompanhou-me na missão minha amiga Marisa Cruz, também Repórter 60+ de Portugal.
Dona Albertina de Sales de Paula Madeira, que fará 100 anos no dia 29 de janeiro, recebeu-nos com um grande sorriso em sua casa assobradada no centro histórico da aldeia, onde funciona também o Jornal Ecos da Serra. Fundado por um grupo de amigos de Alte, há mais de 50 anos, este jornal tem a sua história ancorada em fatos que marcaram Portugal e todos os seus cidadãos. Na entrevista, Dona Albertina conta um pouco sobre esta bela história e sobre o propósito inicial do Ecos da Serra que alcança leitores em todo o país e fora dele.
Jornalismo com missão humanitária
Acomodadas em uma confortável sala repleta de fotos de família e imagens religiosas, apresentei-me e iniciamos uma longa, descontraída e muito doce conversa, cujo resumo reprroduzo para que você conheça a Dona Albertina, seu trabalho, seu dinamismo e a graça e doçura com que leva a sua vida.
Silvia – Conte-nos um pouquinho sobre a vida da senhora e como a senhora iniciou o trabalho ligado ao jornalismo, no jornal Ecos da Serra
Dona Albertina – Poxa, foi acho cinquenta e tal anos em que a minha irmã com um grupo de amigos lembrou-se de fazer-lhe um jornal, porque o jornal foi assim que começou: com um grupo de amigos.
Há cinquenta anos não havia televisão, não havia o telefone, também não havia nada o que fazer. O que a gente fazia aos domingos? Aos domingos juntava-nos a passear, ver as belezas da nossa terra, a fonte grande e a pequena, o vigário (uma cascata loal) a freguesia e sua vista muito bonita para a serra, e à noite juntávamos na casa de uma pessoa amiga. Jogávamos geralmente o loto, mas depois lembrámos: a nossa terra precisa de tanta coisa, e se a gente trabalhasse para a nossa terra, para ajudar nalguma coisa que ela necessitasse? Então a minha irmã com esse grupinho, onde eu estava também, nos juntamos e fizemos o jornal.
Esse jornal era então para os militares que estavam na guerra em Ultramar. Mandámos às vezes no Natal uma garrafinha pequenina de água ardente e um balaio de figos e amêndoas. Eles ficavam muito contentes e nos escreviam muitas cartas a agradecer e dizer o que eles passavam lá.
Depois da guerra passamos a enviar o jornal para o estrangeiro, para os emigrantes. Até hoje tem sido assim. E então arranjámos muito dinheiro. Para reconstruir o telhado da igreja que estava muito arruinado, o assoalho da igreja que também estava esburacado, uma ermida que há aqui perto. Os quadros de São Luís já nem se apercebia nada, mandamos reconstruir. Ajudámos na piscina que é na Fonte Grande, e fizemos muitas outras coisas. Por intermédio do jornal, a gente pedia e as pessoas mandavam qualquer contribuição para estas obras que a terra e a igreja também precisava.
Faziamos récitas. São teatros. Fazíamos, assim uns bonzinhos. Olhe, uma vez fizemos um teatro e levámos essa peça a Loulé, a sede do conselho. Estavam uns senhores atrás de nós e ouvimos-lhes a dizer: mas eles trabalham tão bem que parecem já artistas de Lisboa.
Empreender em qualquer idade
Silvia – Que história linda, Dona Albertina! O exemplo da Dona Maria de Lourdes, sua irmã e o da senhora significa muito pra nós, os sêniores do Brasil e de Portugal, para vermos que é possível empreender em qualquer idade.
Dona Albertina – Estou também a fazer uma blusa de tricô para o neto da minha afilhada. Fiz um casaco grande. Graças a Deus tenho essa possibilidade, porque há pessoas que já estão com as mãos muito entanguidas e não podem trabalhar, andar muito bem. Todos os dias dou graças a Deus. Posso fazer comida, posso limpar, varrer, é claro não com agilidade do meus 20 anos.
Silvia – Parabéns, Dona Albertina! Gostava que a senhora nos falasse sobre o seu trabalho lá no jornal Ecos da Serra. A senhora também faz a revisão dos textos?
Dona Albertina – Gosto de poder sempre ajudar. Eu, de outras vezes encontro uma coisa que não devia ter sido posto. É só isso.
Silvia – Isso é muito importante, pois é bom ter alguém que nos mostre os erros, pois o texto pode estar bom para nós que escrevemos mas não está entendível para quem o lê.
Durante os 50 anos do jornal é chegada a internet. Como foi essa passagem para a senhora? A Dona Maria de Lourdes, falecida em 2012, chegou a pegar essa era da tecnologia no trabalho?
Dona Albertina – Sim. Ela aprendeu. Sabia escrever à máquina eu não aprendi . Ela gostava muito de aprender. Eu sou uma pessoa muito descuidada. Não percebo nada desta tecnologia moderna. Os meninos fazem esse trabalho todo. Estou arrependida de não ter aprendido.
Amigos e religiosidade para uma vida longa
Silvia – Durante a sua vida ao lado dos familiares, a senhora tem muitos amigos? Uma vez aprendi que podemos considerar nossos amigos como uma Família Social. Os seus amigos são importantes para a senhora?
Dona Albertina – É verdade! Tenho muitos amigos aqui. Toda a gente é minha amiga. Não tenho inimigos.
Silvia – A senhora vai na missa aqui em Alte? Fiquei feliz pois vi que a senhora tem uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil e minha madrinha pois me chamo Silvia Aparecida.
Dona Albertina – Vou na missa sim, mas agora vou fora daqui. Ganhei esta imagem de um parente que mora no Brasil.
Tenha uma vida calma!
Silvia – Algo que todos nós queremos saber da senhora é: qual a receita de vida que a senhora pode nos dar para que cheguemos aos 99 anos igual a Senhora?
Dona Albertina – Não ter muitas reações. Que seja saudável e não uma pessoa marafada.
Há uma expressão aqui no Algarve, que é marafada, significa muito aborrecida, zangada. Quer dizer que uma pessoa tem de ter uma vida mais calma para chegar assim como eu.
A pessoa deve ter uma vida mais calma sem muitas preocupações do trabalho. Ter uma vida tranquila.
Silvia – Como é a alimentação da Senhora? Sabemos que as pessoas longevas têm uma alimentação bem saudável. A senhora come de tudo? Com qual frequência a senhora come carne?
Dona Albertina – Uma alimentação muito simples, grãos, feijão, couve, uma galinha, peixe cozido ou porco de vez em quando. Como carne mais de uma vez por semana.
Silvia – Sobre a sua qualidade de vida a senhora falou sobre a sua alimentação, sobre os amigos, e quanto ao trabalho? A Senhora acha que o trabalho tem sido importante na vida da senhora?
Dona Albertina – O trabalho que tinha era ajudar no governo da casa. Nunca estive parada. Até me admira gente que se senta em frente da televisão podendo trabalhar.
Parar é morrer!
Silvia – Nós estudamos que um segredo, ou um elemento-chave da longevidade saudável é ser ativo e fazer algo constantemente.
Dona Albertina – E com gosto! Uma coisa engraçada! Tempo atrás cai das escadas e parti o úmero e depois estive muito tempo sentada, sem fazer nada. Depois pensei assim: E se eu escrevesse no jornal sobre o que existia na minha rua, sobre as pessoas que existiam aqui na minha rua. Comecei a escrever e dizer sobre elas, sobre os seus ofícios. Depois lembrei-me de escrever o porquê é que esta rua tem este nome, e aquela tem outro nome. E agora tenho estado a escrever. Eu escrevo de uma maneira simples, como uma miúda da 4ª Classe.
Silvia – Dona Albertina gostei muito de ver as crônicas que está a escrever no jornal sobre as ruas e o porquê dos nomes. Nós estamos a aprender muito com a senhora. Agora eu gostava que a senhora enviasse um recado para nós brasileiros e portugueses que são os nossos leitores. O que a senhora poderia dizer para nos incentivar a termos uma vida ativa?
Dona Albertina – A vida está tão diferente. Ter sempre confiança em nosso Senhor e Nossa Senhora, e nunca desesperar. Continuar sempre para a frente e nunca parar.
Parar é morrer!
É difícil viver a vida como deve ser vivida! É preciso uma grande força de vontade e uma grande capacidade de inteligência para não ir nessa corrente má onde estamos envolvidos. Peço sempre a Deus paz em nossos corações.
Silvia – D. Albertina a senhora é um exemplo de Mulher em primeiro lugar e para todas nós mulheres de todas as idades. O brilho no olhar que a senhora tem vai ficar para sempre na minha memória e com muita gratidão.
É um exemplo de longevidade ativa, pois aos 99 anos escreve, dirige um jornal, verifica tudo e ainda colabora em duas colunas. Eu faço ideia do quanto todos os soldados da Guerra Ultramarina e todos os mais de 800 leitores são gratos à Senhora e ao Jornal Ecos da Serra.
D. Albertina, muito obrigada! Desejo muitas alegrias e felicidades para a senhora.
Dona Albertina – Fiquei muito grata de tê-las aqui. Gostei muito. São muito agradáveis.
Uma taça de licor de Medronho, docinhos de figo e folhas de louro para as Repórteres 60+ Portugal.
Mal sabíamos o que nos aguardava ao final da entrevista. Dona Albertina levou-nos a uma outra sala onde nos serviu seu famoso, e delicioso, licor de medronho, acompanhado dos saborosos docinhos de figo que faz, inclusivamente para presentear as suas visitas.
Claro que pedi uma segunda taça para degustar, de verdade, este exclusivo e delicioso licor de Portugal.
O medronho é uma fruta típica da região mediterrânica e Europa Ocidental, muito encontrado no Alentejo e no Algarve.
Passamos a identificar os ingredientes desta iguaria, ao passo que Dona Albertina ia dizendo se estávamos certas, ou não. São vários e fazem do licor de medronho da Dona Albertina uma bebida exclusiva do Algarve.
Mostrou-nos, também, os seus trabalhos em tricô, todos feitos com perfeição e bom gosto. Observação! DONA ALBERTINA NÃO USA ÓCULOS!
As surpresas não tinham fim. Dona Albertina levou-nos ao seu belo pomar e horta nosfundos de sua casa, alcançável mediante a subida de várias escadas íngremes. Observação! A BRAVA SENHORA SUBIU TODAS AS ESCADAS SEM QUALQUER TIPO DE AJUDA.
Vimos as suas belas árvores de laranja, limão, medronho, figos, nesperas, pera abacate e muitas especiarias. Fez questão de colher galhos de louro para nós duas.
Fomos embora muito agradecidas com os nossos presentinhos, com os nossos corações aquecidos e as nossas almas radiantes de tanta energia e carinho vindos de Dona Albertina Madeira.
Bem-haja!
Comments (8)
Jorge Sousa
Magnífica reportagem e transmissão dessa realidade muitas das vezes oculta, quando existe tanta riqueza de cultura e personalidade dos nossos seniores a transmitir aos vindouros. Obrigado pelo dinamismo e divulgação.
Editor
Olá Jorge! Muito grat pela resposta otimista e incentivadora para o meu trabalho. Abraços! Silvia
Isabel Izilda Newton de Azevedo
Grande entrevista Sivia .parabéns descobrisse uma joia a Dona Alvertina um exemplo de vida
Editor
Olá Isabel! Muito bom receber notícias suas e o seu comentário tão carinhoso. Beijos para você! Silvia
Cristina Oliveira
Que exemplo incrível. Estou emocionada aqui, do interior de São Paulo, Brasil, cidade de Indaiatuba. Parabéns para está sra. Que nos dá exemplo de vida e atividade. Estou com 73 e também me ocupo muito.
Editor
Olá Cristina! Muito grata por seu comentário positivo e carinhoso. Tenho a certeza que Dona Albertina a inspirou a sempre buscar conexões e novos aprendizados. É o que eu tenho feito por mim também. Desejo-lhe muitas alegrias sempre! Beijos! Silvia
Verani
Parabéns, ótima reportagem, viva a vida, Dona Albertina, Deus e Nossa Senhora Aparecida abençoe!!!
Editor
Muito obrigada pelo comentário positivo, Verani. Dona Albertina é mesmo um exemplo a ser seguido. Abraços!